domingo, 24 de janeiro de 2010

Mensagem

Essa é a única coisa que leva um filósofo a filosofar, um escritor a escrever: deixar uma mensagem na garrafa porque, de alguma maneira, aqueles que virão poderão acreditar ou achar belo aquilo em que ele acreditou ou achou belo.
(Umberto Eco - Em que crêem os que não crêem?)
Estive aqui, fui humano.

Não jugueis nosso valor pelas obras.
Encontramos inúmeras dificuldades,
e não pudemos compreender onde estávamos.

No mundo havia uma ordem, uma lei,
um jeito de contar os fatos.
Doutrinados na infância,
nossos olhos foram arrancados.

Vagávamos.

Alegorias coloridas, apelos ao desejo,
símbolos, câmaras de entretenimento,
havia um mundo fabricado,
fiel àqueles ensinamentos juvenis,
e permanecemos cegos.

Um rio de esgoto nos dizia que havia algo errado.
Mas como ele sempre estava lá, e sempre passamos,
acreditamos nele também, e que rios deveriam ser esgoto.

Algumas vezes ficamos lúcidos,
afinal havia ainda algo de verdadeiro em nós.

A visão foi terrível.

Não seria possível continuar
sem fechar novamente os olhos.

Adormecemos agora por vontade própria.

Poucos entre nós foram capazes de não apagar aquela imagem.
Chamamo-lhes santos, heróis, a maioria apenas loucos.

Nosso sono era atormentado.
Guerras, catástrofes naturais, pestes,
colapsos econômicos e políticos,
nunca houve paz.

Como personagens, vestíamos máscaras,
encenávamos uma organização social.
Brincávamos de polícia e ladrão,
morríamos, matávamos.

Ao final,
a vida nos era tomada de volta,
e percebíamos que havíamos também nós cegado nossos filhos.